O social versus o ajuste econômico: o verdadeiro debate

O social versus o ajuste econômico: o verdadeiro debate


Uma réplica a Mansueto Almeida Jr.

Comentando o debate de 15 de setembro entre Marcelo Neri e Marcos Lisboa no Estadão, Mansueto Almeida argumenta em seu blog a posição do Marcos (“O Social versus o Ajuste Econômico: o Falso Debate” [2]). Pelo bem do contraditório, e por convicção própria, faço aqui a contra-argumentação.

A posição do Marcelo é essencialmente a de que há dois modelos em disputa nesta eleição: um que favorece os pobres, e outro que privilegia os ricos. Ele coloca como uma questão de valores mesmo, da solidariedade versus o progresso. Estes se traduzem na prática em priorização do social versus ajuste econômico.

A crítica do Marcos é essencialmente a de que esse é um simplismo maniqueísta, que busca vilificar a oposição. Ele afirma que a discordância não é de objetivos, ou de valores, e sim de caminhos. Marcos aponta que as políticas econômicas adotadas pela gestão Dilma põem em risco o progresso social que foi conquistado nas últimas duas décadas. Mansueto corrobora a posição do Marcos apontando os dados da PNAD de setembro mostrando que a desigualdade de renda não diminui desde 2011 e que, em 2013, houve aumento da taxa de desemprego [3].

Minha vez. Não discordo da argumentação do Marcos e do Mansueto, mas sua conclusão está errada. Como pode? Há uma premissa implícita na sua argumentação que é falsa. Marcos argumenta que ninguém deseja o mal aos pobres; a discordância é técnica. Mansueto acusa o Marcelo de querer maniqueizar o debate. Não é uma disputa entre “o modelo de homens gananciosos e egoístas da Faria Lima, da Paulista e da Vieira Souto contra o modelo dos bons que favorece o semi-árido nordestino, baixada fluminense”, ele escreve. Mas é. E a razão é igualmente técnica.

O discurso que diz que não há dissonância de fins, somente de meios, ignora a heterogeneidade de preferências temporais dos agentes. Há, sim, uma tensão entre aqueles com mais urgência, e aqueles com mais paciência. E essa tensão é mesmo social, pois essas preferências são induzidas pelo acesso ao crédito, que é o que fundamentalmente define as três classes sociais: a que vive de renda, a que vive de dívida, e a que vive com o que tem para hoje. O acesso financeiro de cada uma induz sensos de urgência contrastantemente diferentes. O rico pensa com o saldo de seus investimentos, o médio com o salário e a fatura do cartão, e o pobre com o estômago e a moedeira.

Essas diferenças de preferências temporais induzidas pelo acesso financeiro produzem escolhas sociais, e portanto políticas públicas, diametralmente opostas. Quem tem urgência não pode se dar ao luxo de esperar o crescimento econômico da mesma forma que quem tem mais ar no tanque (lembra do bolo do Delfim?). É esta a disputa de modelos. “Social versus econômico” é só um codinome. É claro que sem econômico não há social, e que sem saúde social não há economia que sobreviva. Porém essa bijeção só é verdadeira no longo prazo. Até lá, como bem disse o lorde, estamos todos mortos. O que ele não nos contou é que uns vivem mais, outros menos.

Sob esse prisma, fica exposta também a raiz lógica da argumentação de ambos lados do espectro político e acadêmico. De um lado das cordas, Dilma diz que não abre mão do emprego e da renda. Do outro, Armínio diz que o que está segurando o crescimento é um salário mínimo alto demais, e desemprego baixo demais. Ambos são coerentes e leais com os seus eleitorados, cada um com seus horizontes de tempo. Esta dicotomia, que de falsa não tem nada, explica também a diferença de posições acerca da independência do Banco Central. O mercado acusa o governo de abusar da política monetária para fins imediatistas e eleitoreiros. Não seriam os eleitores os “imediatistas”? Afinal são eles que estão votando. Claro que são; têm urgência. A independência do Banco Central nada mais é que isso: deslocar o seu horizonte de tempo para um compatível com aqueles que dispõem de mais paciência.

Neste ponto, o Marcelo faz um apelo: é uma questão de altruísmo. E é! Se cada um destes grupos votar com o próprio bolso, nos tornamos prisioneiros de um dilema. Cada lado tem controle sobre informações diferentes: de um lado o governo controla as contas públicas, do outro o mercado controla os preços dos ativos. Sabendo que o outro lado pode adulterar os seus dados, cada um compensa adulterando os próprios. Vemos isso todos os dias, com o mercado acusando o governo de criatividade contábil, e o governo acusando-o de terrorismo financeiro.

O “mercado” contra-argumentará que ninguém decide os preços dos ativos; eles são formados através da competição pelo lucro entre muitos investidores e operadores. É verdade. Mas, nesta situação, um dilema gera outro, e o mercado entra em comportamento de manada. Já vimos esse filme quando Soros venceu em 92 a queda de braço cambial contra o Bank of England [4], e agora vemos uma versão menos glamorosa disso com a Argentina. Para formar uma manada, basta um líder relativamente grande e forte. Na fauna financeira brasileira, Reis Leões é o que não falta.

E o altruísmo do Marcelo? Muda tudo. Quando os agentes objetivam o bem mútuo, o equilíbrio é outro, e as barras do dilema se dissolvem. O jogo passa a ser cooperativo. Evidentemente, ele favorece quem tem menos para oferecer, porém favorece mais a todos que aquele dilema que do contrário os aprisionaria. É comum em Economia procurar se imaginar que se houvesse um grande computador que decidisse tudo por todo mundo, talvez uma herança perdida da URSS, quais seriam as suas preferências. Ou seja, que pesos ele daria a cada um e a cada qual? O raciocínio acima implica que o programa do equilíbrio altruísta daria mais peso aos mais pobres. Daria, por exemplo, mais peso à renda do brasileiro médio, do que à renda média dos brasileiros. Qual é a diferença entre os dois? O primeiro é a renda mediana, o segundo a renda per capita, e a distância é o Gini, que mede a desigualdade.

Uma sociedade só é tão próspera quanto os menos prósperos de seus membros. Quem dispõe de paciência pode esperar que todos alcancem a sua velocidade para correrem juntos. Isso significa perder as primeiras corridas, e amargar uns PIBinhos. Mas vale a pena o investimento. Correr junto estimula a competição, eleva a auto-estima e melhora o desempenho de todos. Para o alto e avante!

Corrida

[1] http://bit.ly/1W3HvcU
[2] http://bit.ly/1OAT2IU
[3] http://glo.bo/1W3HuFX
[4] http://bit.ly/1OATbvZ

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