Racismo não tem cor

Racismo não tem cor


Ontem o Correio Braziliense publicou o caso infeliz do menino negro que foi discriminado por estar parado em frente a uma loja na rua Oscar Freire em São Paulo. “Ele não pode vender coisas aqui,” disse a vendedora. O pai, que é branco, não deixou por menos, e denunciou a loja nas redes sociais. Fez bem. O jornal tampouco: “‘É um lugar só para brancos”, diz pai de garoto vítima de racismo em loja,” dizia a sua manchete. Errou.

Isso não é racismo. É discriminação social por correlação a cor (ou aparência). É importante distinguir porque são problemas diferentes com soluções diferentes. Se confundir pneumonia com resfriado, é capaz de se matar o paciente.

Dizer que não é racismo tampouco é dizer que não é problema. Para ser racismo o racista tem que enxergar quem ele discrimina como um ser fundamentalmente diferente dele, seja pela sua genética, seja pela sua cultura. Veja que a vendedora discriminou o menino não porque ele é um ser fundamentalmente inferior ou repudiante, como eram discriminados os judeus na Europa, e hoje são os árabes muçulmanos. Ela o discriminou por associação à classe. Isso não é racismo; é classismo.

Veja que o pai foi preciso: “em certos lugares de São Paulo, a pele do seu filho não pode ter a cor errada.” Não falou de racismo; falou de discriminação social. Entrevistado, disse: “O que aconteceu com o meu filho faz parte de uma cultura maior das lojas da Freire, do mundo da moda, de exclusão.” Preciso de novo; a referência é clara à exclusão social.

Não é porque ele é negro, que toda discriminação a ele é racismo. Para ser racista é preciso primeiro acreditar que há de fato diferentes raças humanas. Não há. Ao associar fisionomia a raça, quem acredita que toda discriminação a negros é racista, é ele mesmo racista.

São raríssimas exceções hoje no Brasil em que negros são realmente vistos como fundamentalmente diferentes. Primeiro, não há no Brasil contraste de cores tão grande como nos países da Europa e da anglosfera. Fica difícil demarcar onde acaba um e começa o outro. Segundo, a cultura brasileira absorveu muito das culturas africanas (o que sobrou delas, pelo menos, após 400 anos de escravidão e desapropriação de corpo e espírito). Reverenciamos Iemanjá no ano novo, comemos acarajé, feijoada, dançamos samba, lutamos capoeira… Oxalá! (que vem de Insh’Alá, “se Deus quiser” em árabe, evidenciando o antepassado islâmico dos negros brasileiros, e que alguns agora começam a buscar nas periferias de São Paulo).

Marina Silva teve enorme apoio no 1o turno da eleição, inclusive de setores conservadores, por ser evangélica. Os mesmos admiram Joaquim Barbosa, pela austeridade e integridade. Gilberto Gil, Milton Nascimento, Pelé, Romário… Não são muitos, por causa da enorme desigualdade entre brancos e negros no Brasil. E é justamente por isso que há discriminação por cor; porque resulta de discriminação social.

Com os judeus na Europa foi diferente. Não foram discriminados porque ser judeu era sinônimo de ser pobre ou ignorante. Pelo contrário! Nada menos que 15 dos cientistas judeus que escaparam do nazismo receberam o prêmio Nobel, incluindo Einstein, claro. Ocupavam os mais altos postos da academia, da medicina, do direito, das artes e do setor privado. Eram discriminados porque eram vistos como fundamentalmente diferentes. Eram caracterizados e caricaturados. O mesmo se passa hoje com os árabes muçulmanos. Não importa quão rico, premiado ou renomado seja, ele hoje é taxado de terrorista, de violento. Não é que ser muçulmano é um sinal de que a pessoa possa ser terrorista; é o próprio islamismo que é visto como violento. Isso é racismo.

Há racismo hoje no Brasil, mas não é contra negros. É contra os índios. Só o fato de não pensarmos neles quando falamos de racismo já demonstra quão racistas somos. Os índios sim são vistos como diferentes. Felizmente conseguiram guardar mais da sua cultura, suas línguas, suas tradições e vestimentas. Nos são “esquisitos”. Frequentemente incompreensíveis. Muitos, por não falarem português direito, são tidos como limitados. Isso é racismo.

Outros que são discriminados por racismo são os gays. Também são vistos como fundamentalmente diferentes. “Abomináveis”. “Demoníacos”. “Pervertidos”… Como se fossem realmente de outra raça. E também não importa quão ricos ou famosos sejam. Qualquer comentário sobre a atuação do Clodovil no Congresso sempre vinha acompanhada com uma declaração de surpresa: “mas sabe que ele até que faz umas coisas boas?”

É importante diferenciar; discriminar as discriminações. Discriminação social por fisionomia é mais fácil de resolver. Felizmente. No caso dos negros, basta eliminar a desvantagem socioeconômica que têm com os brancos. Por isso temos políticas de ação afirmativa. Mas não há cota que irá resolver a homofobia ou a islamofobia. E os índios, que nem termo específico têm?

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