Em 2018, nem PT, nem PSDB.

Em 2018, nem PT, nem PSDB.


Para um país que nunca planejou além do próximo mês, o Brasil já largou na frente. Mal elegeu seus governantes, e já está planejando os próximos, para daqui 4 anos. É de causar admiração até nos mais metódicos alemães.

Ontem o Datafolha já publicou sua primeira pesquisa de intenção de votos. Os respondentes consideraram dois cenários: Lula, Marina e Aécio; Lula, Marina e Alckmin. Não incluiu todos os possíveis candidatos, notadamente Cid Gomes e Bolsonaro, que já declararam as suas candidaturas, além das prováveis reiterações de Luciana Genro, Levy Fidelix e Rui Pimenta. Porém uma outra omissão é flagrantemente significativa. Mais que isso, a pesquisa responde a pergunta errada. Não responde quem seria eleito em 2018, e sim quem seria eleito hoje. Quem leva a taça, então?

Aécio não se elegerá.

Todos no PSDB sabem que a grande maioria que votou no Aécio não votou nele e sim contra o PT. É natural; em qualquer parte do mundo, a oposição se elege justamente por ser oposição. Obama se elegeu com a promessa de Hope and Change, Thatcher se elegeu há 35 anos atrás contra um Partido Trabalhista decadente após décadas no poder (em um cenário não muito diferente do nosso atual no Brasil), e o Partido Trabalhista australiano se elegeu em reação a um governo do Partido Liberal, que ficava para trás na história. Porém, apesar de conquistar uma eleição acirrada, Aécio falhou. Não conseguiu maioria nem no próprio estado, que ele tanto usou de exemplo em sua campanha, nem para si, nem para reeleger o governador. Eleição perdida, demonstrar uma liderança fraca, titubeante; tão titubeante quanto a sua candidatura estava em maio de 2014, quando Marina assumiu a titularidade da sua chapa, e deu um salto quântico nas intenções de voto. Enquanto isso, o sucesso do PSDB em SP, e de Alckmin em particular é nada menos que miraculoso, considerando os escândalos com o metrô, a Sabesp e a verdadeira catástrofe da seca na capital. Será ele?

Alckmin não se elegerá.

Sem dúvida o sucesso do PSDB em SP é invejável a qualquer partido brasileiro. Já são 20 anos no governo, rumando a 1/4 de século. E dizem que é o PT que tem projeto de poder! E ainda demonstrou-se inabalável nesta eleição, ganhando em todos os municípios do estado, exceto um (Hortolândia), e dando também a vitória ao seu candidato à presidência, que não a conseguiu no seu próprio estado, mesmo depois de ser governador, e o seu partido estar no governo por 8 anos. Porém Alckmin é um fenômeno paulista. A pesquisa do Datafolha mostra isso. Contra Lula, Aécio leva a preferência, porém Alckmin perde. Ele pode até ser reconhecido como bom gestor, de novo, apesar dos problemas, porém não personifica o momento do Brasil (falo mais sobre isso daqui há pouco). A sua saída é apostar na direita, para a qual caminha, capitalizando sobre a sua tendência democrata cristã. Porém com isso aliena a esquerda desafeta com o PT. É uma sinuca de bico.

Lula não se elegerá.

E não é porque o partido que fundou está com a sua imagem completamente manchada. Lula não se elegerá porque a sociedade brasileira mudou. E em grande parte mudou com a sua contribuição. O presidente não é um gestor do país; vimos isso claramente com a Dilma. Ele é um líder, e por isso tem que materializar o que o país quer ser. Fernando Henrique foi eleito – fora Plano Real, etc – por uma mistura de anseio classe-medista de ser um cidadão do mundo, como ele, poliglota, intelectual internacionalmente conhecido, junto com uma versão atualizada de deferência patrimonialista pelos pobres (afinal, o seu próprio pai era coronel, literalmente). A eleição de Lula foi o 1o salto à democracia, do povo no poder, o migrante, nordestino, trabalhador, operário, que perdeu dedo trabalhando em chão de fábrica. O homem do povo, não da elite. Que fala olho no olho com os presidentes das nações mais poderosas do mundo, porém em nossa própria língua, sem abaixar a cabeça ao vernáculo estrangeiro, sedento de aprovação. Na prática, foi a própria antítese do Fernando Henrique (em simbologia, não em política pública).

Esse anseio, porém, não está mais com a população brasileira. O povo deixou de ser povão; não quer mais um líder que o conduza pela caatinga. O Mar Morto ficou para trás faz tempo, novas gerações nasceram, e mesmo na antiga, a areia do tempo já apaga a memória de um tempo de escravidão. É um povo que olha para a frente, para as oportunidades de alcançar para si a promessa de muito leite e mel. Lula não pode estar com ele, porque ele mesmo faz parte dessa geração que um dia foi escrava. Ele é a personificação de algo que o brasileiro não deseja mais para si. Não à toa, são recorrentes as acusações de que ele conquistou poder, seja ele político ou material, por vias escusas e ilegítimas, e não através do “trabalho” (ainda que fazer política não seja trabalho que ocupa praticamente 24 horas ao dia, 7 dias por semana).

Marina não se elegerá.

Ela se encaixa no perfil. Negra, filha de migrantes nordestinos, cresceu em meio à selva, foi empregada doméstica, e aprende a ler e escrever quando quase adulta. Mas transpôs todas as dificuldades, se graduou e pós-graduou. Foi a candidata de Fernando Henrique, que articulou a chapa Marina-Campos, chegou a defender publicamente a aliança entre Marina, Campos e Aécio já no 1o turno, e disse 10 meses antes da eleição que era indiferente entre que votassem em Aécio ou Marina/Campos. O seu trunfo, porém, era ser a “santa que não é de casa”, reputação que ela amealhou para si, não menos miraculosamente que o sucesso de Alckmin em SP, após ter co-fundadora do PT, ter permanecido no partido por 26 anos, e se ser senadora por ele durante 8 anos, e ministra do seu governo por 4. Entretanto, ela jogou tudo isso fora, quando declarou apoio a Aécio no 2o turno. Nesse momento, a sua militância, seu maior capital, que já estava “cabreira” pelas suas posições em relação aos movimentos feministas e, especialmente, LGBT, e pela agenda que, literalmente, encampou do seu ex-colega de chapa, a deserdou. Com isso, jogou fora todas suas chances de se eleger.

Então quem?

O próximo presidente será a síntese dos dois: o homem do povo que se tornou elite. Quando Marina disse no debate que ela era elite, ela estava justamente apertando esse botão. Será aquele que também saiu de baixo, como o Lula, porém chegou no topo através do estudo, do trabalho, não da via política. Será um Lula que virou Fernando Henrique. O candidato que se insere ainda mais nesse perfil é, evidentemente, Joaquim Barbosa. É, aliás, dos 200 milhões de brasileiros, o que mais se encaixa. E isso não é totalmente por mérito próprio. Sem dúvida, 99% é. Foi ele quem saiu da região mais pobre da Bahia, sustentou mãe e filhos, se formou em direito, e doutorou em Paris, aprendeu línguas e alcançou os mais altos postos das instituições brasileiras.

Porém, para o seu último degrau, recebeu uma mãozinha. A sua escolha para ser ministro do STF não é mero acaso. Lula disse, muito casualmente, que olhou rapidamente o seu currículo e, valorizando o significado de um negro chegar à mais alta corte do país, aquela que personifica o próprio contrato social brasileiro, a sua Constituição, o escolheu sem olhar direito. Ora, o Lula não foi de engraxate a presidente da república sendo descuidado. Ele pode parecer casual e aleatório nos seus discursos improvisados, mas isso por trás disso ele esconde uma profunda astúcia. Lula nunca foi de tomar decisões precipitadas; nunca agiu de impulso. Ele sempre usou todo o tempo que lhe era disponível para absorver o máximo de informação possível, e minimizar seus riscos. A sua popularidade no fim do seu mandato demonstra a sua acuidade na gestão de risco e capital político. A sua indicação de Joaquim Barbosa para o STF foi tudo menos casual.

O que transcorreu a partir de então foi uma novela que durou meses, e foi veiculada como tal pelos principais meios de comunicação do Brasil. Quem era o herói nesta novela? Quem salvou o Brasil dos vilões que roubavam o povo brasileiro, fazendo valer a soberania das leis, e resgatando a integridade moral do país? Findo o épico mensalão, este herói é coroado supremo na presidência, em posto tão alto quanto o do presidente da república, efetivamente demonstrando a todos que ele está à altura do cargo.

Mas… como é possível que Lula o escolhesse para manchar a imagem do seu próprio partido, e colocá-lo, bem como a si mesmo, em risco? Ele tinha poucas escolhas. Disse Pedro Simon no Roda Viva ao fim do seu último mandato na política brasileira, que o maior adversário de um político é o seu colega de partido. Claro! Lula não compete com Fernando Henrique pela presidência do PT, da mesma forma que o capitão da seleção brasileira não compete com o capitão da seleção alemã. Os times competem um com o outro, mas os jogadores de um mesmo time competem entre si, ainda que joguem em diferentes posições. Afinal, o time só pode ter 1 capitão, 1 goleiro, 1 centro-avante… Desde o começo do PT, Dirceu era o principal adversário do Lula.

O PT nasceu da aliança entre uma intelectualidade idealista, que ía do mais ferrenho comunismo até à social democracia, passando por todas as tonalidades de socialismo, com o movimento sindical. Lula liderava os sindicalistas e Dirceu os socialistas. Disse o Chico de Oliveira, também no Roda Viva, que os sindicalistas nunca foram de esquerda, nunca foram socialistas. De fato, aos sindicalistas, como lhes é esperado, o que importa é defender os interesses da classe trabalhadora sindicalizada. São práticos e pragmáticos, e nada idealistas. Os intelectuais serviram-lhes para chegar onde queriam, e uma vez lá, foram gradativamente tirando-os de cena. O PSOL é resultado disso. E o mensalão foi o ato final. O acordo entre Lula e Dirceu sempre foi que Lula, o líder, seria o presidente, e Dirceu, o estrategista, seria o Chefe da Casa Civil. Depois disso, com a máquina azeitada, Dirceu assumiria a presidência, conduzindo o Brasil ao seu ideal socialista de nação. A começar por derrubar os monopólios da mídia, do Civita, dos Mesquita e dos Marinho.

Lula nunca quis nada disso. Ele sempre foi muito claro; o que ele sempre quis foi que todo brasileiro pudesse ter sua casinha, mobiliada, com geladeira, fogão, e um carrinho na garagem para levar a família para passear no domingo. Tudo o que Lula sempre quis foi que os pobres brasileiros tivessem a oportunidade de, assim como ele uma fez teve, de entrar para a classe média. O seu sonho, a sua Terra Prometida, sempre foi o American Dream. E foi o que conseguiu. Ele sabe disso, e sendo exímio avaliador de riscos, não colocará a sua reputação, que será recuperada quando a tempestade de denúncias passar, a perder em um segundo mandato.

Não se candidatará, e continuará capitalizando a sua reputação internacional na África lusófona e na América Latina, através do seu Instituto Lula. Será um Jimmy Carter brasileiro. Joaquim Barbosa será o próximo presidente do Brasil. A não ser que o seu avião também caia, seu helicóptero afunde no mar, ou adoeça no dia seguinte à sua eleição.

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