Da esquerda para a direita: Trickle-dee e Trickle-dum

Da esquerda para a direita: Trickle-dee e Trickle-dum


TrickleDee

“Trickle-down economics” é o termo cunhado para expressar a crença de que quando os ricos se tornam mais ricos, os pobres se tornam menos pobres. A crença é frequentemente expressa no lema de que “a maré alta eleva todos os barcos”. Este foi um dos alicerces às políticas econômicas na era Thatcher-Reagan dos anos 80. Por isso também é frequentemente chamado de Reagonomics.

A lógica voltou a ser evocada recentemente pelos novos defensores do “livre mercado”. “Livre mercado” aqui – entenda-se bem – significa laissez faire, i.e. mercados desregulados, não mercados em que os participantes são livres de coerção uns pelos outros. A sua premissa é de que só há desigualdade no poder de barganha entre contrapartes quando o Estado favorece uma delas. Enquanto esta é uma posição libertária, tanto a de esquerda quanto a de direita, não é a visão liberal:

“A liberdade do comércio não é a faculdade dada aos negociantes de fazerem o que quiserem; isso seria antes a sua servidão. O que atrapalha o comerciante nem por isso atrapalha o comércio. É nos países da liberdade que o negociante encontra inúmeras contradições; e em nenhum lugar é menos incomodado pelas leis do que nos países da servidão.” (Montesquieu, “O espírito das leis”, Vol XX, 1748)

O resultado prático da Reagonomics foi um grande aumento da desigualdade de riqueza nos EEUU, que aliado a uma igual retirada da rede de proteção social, resultou em um enorme aumento da iniquidade (i.e. desigualdade de liberdade). Não à toa, Bush Sr. chamou, nas eleições internas do próprio Partido Republicano, a política econômica, social e tributária do seu predecessor de “voodoo economics”.

A mesma crítica, porém, pode se fazer à esquerda. A esquerda, aliada aos movimentos sindicais, diz defender melhores e mais fortes direitos dos trabalhadores. Porém só pode ter melhores e mais fortes direitos quem tem algum direito. A esquerda sempre representou, em primeira ordem, os direitos dos trabalhadores sindicalizados, dos trabalhadores formais. Defendeu também a formalização da economia, mas reiteradamente sempre negou os impactos negativos que a elevação dos direitos trabalhistas teria na informalização da economia.

Maiores salários mínimos pode parecer ser uma boa coisa para todos os trabalhadores. Mas a verdade é que as empresas que deixam de ser viáveis com uma folha de salários maior, ou fecham, ou passam para a informalidade. Quem vai para a informalidade tem menores garantias e portanto menor poder de negociação da sua remuneração, e aqueles que já estavam informais têm maior competição. O resultado é portanto uma transferência de renda dos pobres para a classe média sindicalizada. Isso o DIEESE não discute quando propõe que o salário mínimo seja hoje de R$3.000, atribuindo a informalidade de 1/3 da economia à falta de escrúpulos dos “empresários”. Não menciona porém que os grandes empregadores, com quem faz a associação no imaginário do interlocutor, não contratam informalmente pois têm que publicar relatórios contábeis a seus investidores na bolsa, e estão sob regras de governança internas mais restritas que a própria legislação.

Uma prova empírica disso é o Prouni, que produziu o efeito exatamente simétrico a este. Foi o Prouni, não o Bolsa Família, o principal propulsor da redução da desigualdade e da miséria no Brasil, retirando do mercado informal milhões de jovens, reduzindo a sua oferta (Ricardo Paes de Barros). Muitos eram filhos (e principalmente filhas) de empregados domésticos, resultando então na elevação do custo da mão-de-obra não profissionalizada. Isso só foi possível, claro, porque houve demanda para mão-de-obra profissionalizada no mesmo período. Foi então o Prouni que permitiu que o Brasil transferisse aos mais pobres boa parte da bonança que teve com os a Década de Ouro da China.

Quando a bonança acabou no início da segunda década do século, o elevado custo da mão-de-obra começou a doer no bolso da classe média não-sindicalizada: a burguesa. Isso se traduziu em elevação de preços finais, que muitos chamaram de inflação. Nem todos os gatos são pardos, mas a tinta marrom está em oferta.

Agora é no calo da classe média sindicalizada em que começa a apertar o sapato. É esta que agora reclama os cortes de “direitos adquiridos” sendo promovidos já no começo do segundo mandato Dilma. O pé não pode crescer para sempre; ao contrário do que defendem paleokeynesianos brasileiros, a economia não pode viver só de cafeína e de liquidez injetada. É preciso comer e gastar direito, e fazer exercício fiscal regular. Em particular, não dá para sustentar “direitos adquiridos” em detrimento daqueles que não os têm sob a promessa de que no dia em que tiverem, estarão lá tendo sido bravamente conquistados por aqueles que lutaram por eles. Isso é trickle-down politics.

Esquerda e direita fazem o mesmo discurso, só com o sinal trocado. São como irmãos siameses brigando cada um por seu País das Maravilhas: Trickledee e Trickledum.

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