Estupro hediondo aumenta a impunidade

Estupro hediondo aumenta a impunidade


A proposta de redução da maioridade penal aprovada ontem pela Câmara dos Deputados restringe os casos em que o adolescente de 16 a 17 anos seria julgado como adulto aos crimes hediondos. Os crimes hediondos são os previstos na Lei nº 8.072/90:

  • homicídio quando praticado em atividade típica de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, parágrafo 2º, incisos I,II, III,IV e V)
  • latrocínio
  • extorsão qualificada pela morte
  • extorsão mediante sequestro e na forma qualificada
  • epidemia com resultado morte
  • falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapeuticos ou medicinais crime de genocídio previsto nos artigos 1º, 2º e 3º da lei 2889/56

e…

  • estupro

São também crimes equiparados a hediondos tráfico ilícito de entorpecentes, tortura e terrorismo, mas destes a proposta aprovada só incluiu a tortura.

Estupro é crime, e é uma violência realmente hedionda. Porém ‘crime hediondo’ é um termo legal que acarreta em penas mais severas. Atualmente a pena no Brasil é de 6 a 10 anos de reclusão para o criminoso, aumentando para 8 a 12 anos se há lesão corporal da vítima ou se a vítima possui entre 14 a 18 anos de idade, e para 12 a 30 anos, se a conduta resulta em morte. Punir severamente não é o problema; o problema é que punição tem custo. E não estamos falando de custo de encarceramento – essa seria uma ponderação repudiante – e sim de custo em termos de impunidade.

Quanto mais grave a punição, maior a impunidade

O processo jurídico não é um processo determinístico. O juiz se depara com uma infinidade de incertezas acerca dos testemunhos, das motivações dos envolvidos, da interpretação das provas e até mesmo da própria letra da lei. Ao tomar uma decisão, o juiz pondera o risco de errar no seu julgamento e as consequências do seu erro. Se ele acha que ele tem 10% de chance de estar errado, e a lei diz que a pena a ser aplicada são 2 anos de reclusão, ele poderá decidir pela condenação. Porém se a pena for de morte, por exemplo, ele pode não condenar por falta de provas, ainda que ambos os casos a sua certeza é a mesma.

Estupro é um crime que infelizmente apresenta alto grau de incerteza. Quando há provas de conjunção carnal, com vestígios que incriminem o réu, e marcas de resistência física, não há muito o que se ponderar. Porém não é sempre assim. Se não há marcas de resistência física, o juiz tem que se basear na palavra do réu, da vítima e demais testemunhas. O campo de interpretação é amplo dada a complexidade da sexualidade humana. E subjetivo também, uma vez que a interpretação depende muito dos valores e tradição social de cada juiz.

Neste cenário de alta incerteza, o aumento da pena torna o juiz mais cauteloso. Os réus que deixaram provas cabalmente incriminadoras serão mais severamente punidos, porém aqueles que foram mais sofisticados no seu crime, têm mais chances de escaparem ilesos. Isso se torna ainda mais problemático no caso de redução da maioridade penal, em que juízes estarão ainda mais cautelosos em condenar um adolescente a pelo menos 6 anos de cadeia. Novamente, não se trata de que a pena não seja justa, e sim que ela promove a injustiça ao induzir à impunidade.

Comentários