Não é por sexismo que não temos mais mulheres na política. É falta de interesse mesmo.

Não é por sexismo que não temos mais mulheres na política. É falta de interesse mesmo.


cotas mulheres

A campanha por cotas para mulheres no legislativo justifica que há muito menos mulheres que homens nos parlamentos. Será que os brasileiros discriminam mulheres na hora de votar? Curioso dizer isso num país cuja presidente – eleita e reeleita! – é mulher, sua mais temida adversária na reeleição, e que concentrou todos os esforços de sua campanha no 1o turno, era Marina Silva, e sua maior adversária dentro do próprio partido, demonstrado pela sua saída quando perdeu a disputa interna, era Marta Suplicy. Ambas foram ministras e congressistas, e a 2a foi prefeita da maior cidade do país e da América do Sul. Aliás, de todo hemisfério sul! E nem tampouco foi a primeira; os paulistanos, tidos entre os mais conservadores do país, não tiveram problema algum em eleger uma prefeita já em 1989.

Fora do centro da eleição, do G3, como ela mesma denominou, Luciana Genro foi a candidata mais votada, conquistando três vezes mais votos que o segundo candidato, o único explicitamente representando valores cristãos – no país com mais católicos no mundo! – um pastor evangélico, em que 25% da população é evangélica e a quantidade de evangélicos cresce duas vezes mais rápido que a população total.

Os eleitores brasileiros são machistas?

Como se explica então a discrepância de homens e mulheres nos parlamentos brasileiros? Teresa Sacchet, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, estudou essa questão, usando as eleições municipais de 2012 como amostra (Sacchet, 2013 [1]). Uma das explicações é que há mais de duas vezes mais homens (281.131 em 2012) do que mulheres (131.690 no mesmo ano) se candidatando:

Comparando as proporções entre mulheres candidatas e mulheres eleitas, a Teresa aponta, porém, que a chance de uma mulher ser eleita é 2,4 vezes menor que a de um homem (31,9% / 13,3%). Buscando a razão disso, ela então discrimina os dados entre eleições para vereadores e eleições para prefeitos:

É curioso que o eleitor brasileiro não discrimine o sexo do candidato para a prefeitura, mas sim para os parlamentos. É ainda mais curioso porque (1) vereadores são tipicamente eleitos por segmentos da sociedade, sendo o voto de misóginos isolado em candidatos específicos, sem detrimento às candidatas, e (2) é muito mais o prefeito, o chefe de governo do município, o cargo associado ao papel masculino em uma cultura patriarcal. Por que então eleitores misóginos votariam em prefeitas mas não em vereadoras? Teresa argumenta que é porque a misoginia está na seleção dos candidatos e na alocação das verbas de publicidade. Porém, por que os partidos fariam isso sabendo que o eleitor não discrimina o sexo dos candidatos? A resposta é evidente, e completamente ignorada pela autora: a distinção entre candidatos e candidatas é outra, não seu sexo. Por exemplo, anos de experiência. Afinal, capital político não se acumula da noite para o dia. E não é por falta de oportunidades no setor público: 97% das prefeituras no Brasil empregam mulheres em cargos de chefia (IBGE, 2010 [2]).

A ausência de sexismo do eleitor brasileiro se revelou mais uma vez nas eleições de 2014 ao Senado. Houve nesta eleição 34 candidatas e 131 candidatos, quase quatro vezes mais. Apesar da desproporção, 70% das candidatas receberam mais votos que candidatos em igual colocação entre seus congêneres.

É a própria diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea), Guacira Cesar de Oliveira, quem conclui (Agência Brasil, 2014 [8]):

“Os eleitores já demonstraram a disposição de votar em mulheres. Se vê isso nas candidaturas majoritárias de mulheres para a Presidência, que foram bastante significativas. Existe confiança política nas mulheres.”

Cadê as candidatas?

O fato é que menos mulheres que homens se interessam por política. A página Jogo Político no facebook, por exemplo, no ar desde julho de 2014, tem 1.466 fãs (18.01.2016), entre estes 70% mais homens que mulheres:

Entre as pessoas que interagiram com a página – i.e. que curtiram, comentaram ou compartilharam posts na página – a discrepância é ainda maior: três vezes mais homens que mulheres.

Em contra partida, tomando como exemplo, a página Como Fazer Fácil, dedicada a dicas de decoração para a casa e soluções caseiras, aberta em 31.10.2015, acumulou, organicamente, i.e. com pouquíssima campanha, e zero paga, só na base do ‘dedo a dedo’, mais de 12.000 fãs em menos de dois meses!

Não só menos mulheres que homens se interessam por política, como das que se interessam poucas se interessam em serem políticas. Por que? Porque têm outras prioridades. As ambições das mulheres se dividem entre carreira e família. Mais da metade das mulheres com carreira prefeririam dedicar-se mais aos filhos (Ibope, 2013 [3]). Ou seja, mais da metade dessas mulheres preferem estar em carreiras em que podem desempenhar posições sem muito destaque, i.e. carreiras menos competitivas. Uma coisa que a carreira política não é, é ser menos competitiva.

E isso não é privilégio do Brasil, resultante de uma “cultura latina machista”, ou coisa parecida. Francesca Gino, Caroline Ashley Wilmuth e Alison Wood Brooks da Harvard Business School demonstraram que também nos EUA mulheres, apesar de terem as mesmas oportunidades que homens, não progridem na carreira essencialmente porque não querem (Gino, Wilmuth e Brooks, 2015 [4]). Homens não têm essa opção. Além da sua masculinidade estar atrelada às suas conquistas profissionais e poder, ele é em última instância o responsável por garantir o sustento da família. Mesmo tendo iguais oportunidades de carreira, como demonstrado no estudo de Harvard, 78% das mulheres solteiras consideram ‘muito importante’ que o seu futuro marido tenha um emprego estável, enquanto que somente 46% dos homens solteiros, 59% menos, disseram o mesmo de suas futuras esposas (Pew Research Center, 2015 [5]). Nas palavras de Warren Farrell, Ph.D., ex-Professor de Psicologia na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, e ex-diretor da National Organization for Women nos EUA:

“Os homens estão em situação de inferioridade. Uma mulher casada e com filhos pequenos tem três opções: trabalhar em tempo integral, apenas cuidar das crianças ou encontrar uma combinação das duas coisas. As opções do homem são as seguintes: trabalhar, trabalhar e trabalhar.” (Época, 2010 [6])

A verdade é que a maioria das mulheres brasileiras, 54,4% das pobres e 72,5% das médias, nem querem cotas políticas para mulheres (ONG Promundo, 2009 [7]). Os homens é que são mais favoráveis, 64,3% dos pobres e 60,3% dos médios, 2,2 vezes mais que as mulheres da sua classe.

Conclusão

O Brasil poderia ter mais mulheres na política, sim. É patente que os eleitores brasileiros querem ser representados por elas. Só falta elas quererem.


[1] Teresa Sacchet, “Democracia pela metade: candidaturas e 85 desempenho eleitoral das mulheres”, Cadernos Adenauer, 2013.

[2] Agência Brasil, “IBGE: Mulheres têm cargos de chefia em 97% das prefeituras”, 13.05.2010.

[3] Guilherme Sillva, “Mulheres de sucesso abandonam carreira para cuidar da casa”, Gazeta Online, 11.11.2014.

[4] Francesca Gino, Caroline Ashley Wilmuth, and Alison Wood Brooks, “Compared to men, women view professional advancement as equally attainable, but less desirable”, Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 21.09.2015.

[5] The Economist, “Badly educated men in rich countries have not adapted well to trade, technology or feminism”, 2015.

[6] Alexandre Mansur, “Warrenn Farrell: ‘Eles são as as vítimas’”, Época, 26.03.2010.

[7] ProMundo, “Men and Gender Equality Policy Project (MGEPP)”, 2009.

[8] Agência Brasil, “Mulheres ocupam as primeiras colocações na Câmara em seis estados”, 6.10.2014.

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