A morte do imposto

A morte do imposto


“Nossa Constituição agora está firmada, e aparenta prometer permanência; mas neste mundo de nada pode-se ter certeza, senão da morte e dos impostos.”
—Benjamin Franklin, carta a Jean-Baptiste Leroy, 1789.

Ninguém gosta de pagar impostos. Há até mesmo quem diga que “imposto é roubo”¹. Isso é bobagem, claro, uma vez que ninguém é obrigado a ter propriedade ou transacionar dentro do país. Não precisa nem manter a cidadania; quem não quiser continuar sócio da sociedade brasileira, favor dirigir-se ao consulado brasileiro mais próximo, entregar o passaporte e o formulário de cancelamento da cidadania devidamente preenchido. Agora, se quiser permanecer no condomínio, tem que pagar a taxa acordada pelos condôminos, claro.

Basta então estipular a taxa. O IBPT contabiliza a arrecadação da união, estados e municípios brasileiros em R$2,1 trilhões a.a.. A Secretaria de Assuntos Estratégicos estimou em 2014 que os imóveis todos no Brasil valem R$4,2 trilhões. Basta portanto que cada condômino pague 4% a.m. sobre os seus bens registrados em cartório para cobrir os custos de todo o Estado brasileiro. Isso não é imposto; é uma taxa. É a taxa pelo serviço de proteção ao direito à propriedade privada, que inclui toda a sua estrutura de segurança pública, sistema judiciário e instituições legislativas. Como ela só cobre o que for registrado em cartório, paga quem quiser, sobre o que quiser, quando quiser, e se quiser. Não precisa nem ser cobrado, pois ao escolher não pagar, o proprietário essencialmente abre mão da proteção legal da sua propriedade, o que permite que os seus bens sejam tomados por qualquer um, sem configurar roubo.

O melhor de tudo é que é uma tributação muito mais justa e eficiente. Mais justa porque é progressiva em relação à renda, pois o patrimônio é muito mais concentrado. Só a eliminação da tributação do consumo já reverte completamente a atual regressividade da carga tributária.

É também mais eficiente porque é muito mais difícil de se sonegar que qualquer tributação baseada em renda ou lucro auto-declarado. É o condomínio que estabelece o valor do bem, e portanto quanto deve o condômino pagar para tê-lo protegido sob as suas leis. Não há como sub-avaliar um carro para pagar menos IPVA, por exemplo. Cai então para praticamente zero os R$500 bilhões que são sonegados anualmente no Brasil, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).

Apesar do ar de novidade, esta ideia não é original. A ideia de reduzir todos os impostos a uma única taxa patrimonial é dos liberais ingleses dos séculos XVIII e XIX – David Ricardo, James Mill, John Stuart Mill – e muito promovida por Henry George (1839 – 1897), um político estadunidense, em seu opus magnum Progresso e Pobreza de 1879. A idéia volta à tona agora com o trabalho de Thomas Piketty e Emmanuel Saez sobre desigualdade. É a partir das suas constatações acerca da crescente desigualdade de patrimônio que Piketty propõe o seu imposto sobre grandes fortunas. Matthew Ronglie porém o corrige, apontando que quase todo a concentração de patrimônio nos últimos 40 anos nos EUA e outras economias avançadas derivou da apreciação dos imóveis e não do capital financeiro. Uma estrutura tributária que colocasse todo o seu peso na tributação dos bens cartoriais seria então o mais efetivo instrumento para reduzir a iniquidade e reequilibrar os mercados. Ah, se nós ouvíssemos os economistas…

“É vã, num país cuja grande patrimônio é a terra, a esperança de colocar o financiamento público do governo sobre qualquer outra coisa; ali pelo menos terminará. O comerciante (faça o que quiser) não a suportará, o trabalhador não poderá, e, portanto, é dever do proprietário de terras.” (John Locke, Algumas Considerações sobre a Redução dos Juros, 1691).

As necessidades da vida são as principais despesas dos pobres. Têm dificuldade em conseguir comida, e a maior parte da pouca renda que têm é gasta conseguindo-a. Os luxos e os confortos da vida são as principais despesas dos ricos, e uma casa magnífica orna e abre caminho para todos os outros luxos e confortos que possuem. Um imposto sobre os aluguéis, portanto, de forma geral, cairia mais pesadamente sobre os ricos; e neste tipo de desigualdade não haveria, talvez, nada de irrazoável. Não é irrazoável que os ricos devam contribuir aos gastos públicos, não somente em proporção à sua receita, mas mais do que nessa proporção.” (Adam Smith, A Riqueza das Nações, Vol II, Cap VII, Parte 71, 1776)

“Um imposto sobre aluguéis afetaria somente o aluguel econômico: recairia somente sobre os proprietários e não poderia ser transferido. O proprietário não conseguiria aumentar o aluguel, pois isso não alteraria a diferença entre o produto obtido a partir da terra menos produtiva no cultivo e o obtido das terras de qualquer outra qualidade.” (David Ricardo, Princípios de Economia Política e Tributação, Cap 10, Sec 62, 1817)

“Os impostos aumentam os preços através do aumento do custo de produção e reduzindo a oferta. Mas a terra não é um produto humano e os impostos sobre aluguéis não podem reduzir a sua oferta. Portanto, apesar de um imposto sobre aluguéis obrigar os proprietários a pagar mais, dá-lhes o poder de obter mais pelo o uso de suas terras, uma vez que, de modo algum, tende a reduzir a sua oferta. Pelo contrário, ao invés de incentivar aqueles que possuem terras à especulação, alugando por um valor qualquer, um imposto sobre o valor da terra tende a aumentar a concorrência entre os proprietários, e assim reduzir o preço da terra.” (Henry George, Progresso e Pobreza, Vol 8, Cap 3, 1879)

“O aluguel econômico sozinho tem a natureza de um ‘excedente’, que pode ser tributados pesadamente sem distorcer os incentivos à produção e à eficiência. Um imposto sobre o valor de um local pode ser chamado de “o imposto útil sobre excedente mensurável da terra.” (Paul Samuelson, Economia, Ed 17, 2001: 267-269)

“Na minha opinião o imposto menos pior é o imposto sobre a propriedade incidente sobre o valor de terra sem o imóvel, o argumento de Henry George de muitos anos atrás.” (Milton Friedman, Human Events, 18 de novembro de 1979)

“É evidente que é preferível impor o custo adicional sobre o solo, aumentando o imposto sobre a terra, em vez de aumentar o imposto sobre o salário – as duas alternativas abertas para a Cidade (de Pittsburgh). É o uso e ocupação de propriedade que cria a necessidade dos serviços municipais que aparecem como o maior item no orçamento – incêndio e proteção policial, remoção de resíduos e obras públicas.” (Herbert Simon, Carta ao Conselho da Cidade de Pittsburgh, 13 de dezembro de 1979)

“O proprietário de terras que troca o seu uso produtivo por um uso puramente privado deve ser obrigado a pagar mais, não menos impostos.” (James Buchanan, Ética e progresso econômico. Norman: University of Oklahoma Press, 1994: 112-128)

“Um dos princípios gerais da tributação é que se deve tributar fatores inelásticos, uma vez que não há efeitos adversos à sua oferta. Terreno não desaparece quando é tributado. Henry George, um grande progressista do final do século XIX, argumentou, em parte nesta base, por um imposto sobre a terra.” (Joseph Stiglitz, Principles and Guidelines for Deficit Reduction, Roosevelt Institute Working Paper No. 6, 2014, p. 5)

“Assim, como regra geral, ativos fixos – principalmente a terra – devem ser tributados mais fortemente que a renda. O imposto sobre a propriedade é um bom imposto, desde que seja concebido para cair o mais fortemente possível sobre o aluguel econômico. O argumento básico, desde Ricardo, ainda é razoável, pois visa não interferir onde não há, de fato, finalidade pública para interferir com as decisões privadas. Impostos sobre salários ou lucros impostos que interferem diretamente sobre decisões comerciais. Impostos cobrados sobre o aluguel econômico, incluindo a renda da terra e dos minerais, e dos “proprietários ausentes”, como Veblen chamou-os, não interferem.” (James K. Galbraith, Testimony on Sensible Tax Reform, Huffington Post, 08.03.2011)


¹”Imposto é roubo, pura e simplesmente embora seja roubo em escala grandiosa e colossal, que nenhum criminoso reconhecido poderia sonhar igualar.” (Rothbard, 1982)

BUCHANAN, James, Ética e progresso econômico. Norman: University of Oklahoma Press, 1994: 112-128.

FRIEDMAN, Milton, Human Events, 18 de novembro de 1979.

GALBRAITH, James K., Testimony on Sensible Tax Reform, Huffington Post, 08.03.2011.

GEORGE, Henry, Progresso e Pobreza.

LOCKE, John, Algumas Considerações sobre a Redução dos Juros, 1691.

RICARDO, David, Princípios de Economia Política e Tributação, 1817.

ROTHBARD, Murray, “A Ética da Liberdade,” Humanities Press, 1982.

SAMUELSON, Paul , Economia, Ed 17, 2001: 267-269.

SIMON, Herbert, Carta ao Conselho da Cidade de Pittsburgh, 13 de dezembro de 1979.

SMITH, Adam, A Riqueza das Nações, 1776.

STIGLITZ, Joseph, Principles and Guidelines for Deficit Reduction, Roosevelt Institute Working Paper No. 6, 2014

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