O Dia Internacional do Homem Mau

O Dia Internacional do Homem Mau


Mulheres sofrem violência. Homens não. Os homens são privilegiados. Opressores. Violentos. No mínimo, coniventes. Mesmo quando são vítimas, é por outros homens. Os homens são monstruosos.

Ontem, 25 de novembro, foi Dia Internacional do Não à Violência Contra a Mulher. Depois de uma noite de sono, neste dia seguinte, proponho uma reflexão sobre o que exatamente ele significa. Infelizmente não é o que dizem ser.

É terrível. É terrível que haja violência contra mulheres no mundo. E é ainda mais terrível que se ignore completamente o sofrimento de metade de toda a espécie humana. É como se homens fossem uma sub-raça. Quando é o Dia Internacional do Não à Violência Contra o Homem mesmo? E realmente não dá para dizer que homens correm menos riscos de serem violentados que mulheres: 91% das vítimas de homicídio no Brasil são homens. Isso significa que, se é morta uma brasileira a cada 2h, é morto um homem brasileiro a cada 10 minutos! O Brasil é violentíssimo! É praticamente um país em guerra. E quem morre nas guerras? Os soldados. No Brasil são os soldados do tráfico, do crime organizado e também da polícia.

“Ah, mas as causas da violência contra homens e mulheres são distintas.”

Estarão prontamente apontando para o dado do Mapa da Violência de que 41% dos homicídios de mulheres acontecem na própria casa, enquanto que só 14% de homens acontecem na sua residência. Mas isso não significa que a maioria das vítimas de homicídio doméstico são mulheres! É o mesmo Mapa da Violência também que nos diz que 91% do total de vítimas são homens. 14% de 91% é 13%, e 40% de 9% é 3,6%! Ou seja, do total de 16,6% das vítimas de homicídio no Brasil que são mortas na sua própria casa, 78% são homens!

“Ah, mas nem todo homicídio doméstico resulta de violência doméstica.”

É verdade (considerando que violência doméstica é violência entre pessoas que convivem na mesma residência). Porém, se não são co-habitantes, quem são? Invasores, talvez. Pode ser, pois quem tipicamente põe-se a risco para proteger a família é um homem. Pode ser o pai, o marido, o irmão, o tio, o noivo ou o avô. Mas, não conta. O que conta é se quem matou esse homem foi uma mulher (como se estivéssemos fazendo a contabilidade de uma “guerra dos sexos”!). O que conta é violência conjugal! Então vamos contar:

Os estudos também apontam que quando homens agridem, eles tipicamente causam mais danos. Ainda assim, mais de um terço dos atendimentos por violência doméstica e sexual no SUS é de homens (Mapa da Violência, 2015). Pondere-se aí que, se homens ainda são humilhados e ridicularizados em países menos machistas se assumem que apanharam da mulher (Karla Ivankovich, Ph.D., Professora de Psicologia, Universidade de Illinois, EUA), no Brasil então isso é praticamente tabu. O fato é que metade dos atendimentos de homens por lesão no SUS são por violência doméstica (Mapa da Violência, 2012).

E por enquanto estamos falando só de agressões físicas, pois em agressões psicológicas, que estão incluídas por exemplo na Lei Maria da Penha (aquela que vale só para cidadãos de 1a classe), homens tipicamente não têm nenhuma vantagem. Muito pelo contrário! Mulheres tipicamente têm maior domínio da linguagem, do universo emocional e são mais frequentemente hábeis em manipular pessoas.

Para quem estuda violência doméstica, esses dados do Brasil não são nenhuma surpresa; estão perfeitamente em linha com pesquisas em outros países também:

“Mas e o estupro? Homem não é estuprado, é?”

Pior que é. E tanto quanto mulheres. Senão mais! Mais da metade das vítimas de estupro nos EUA são homens (Departamento de Justiça, Governo Federal dos EUA, 2013). O que acontece é que quando se fala de estupros, frequentemente só se contabiliza as denúncias de “cidadãos de bem”, enquanto a grande maioria dos estupros de homens acontecem nos presídios. Como 91% dos presidiários nos EUA (e 94% no Brasil) são homens, esse número é simplesmente varrido para debaixo do tapete. Mesmo fora das cadeias, a maioria das crianças estupradas com penetração são meninos (Dube, Whitfield et al. (2005)).

“Ah, mas isso são homens estuprando homens! Mulheres não estupram homens.”

Não sei porque alguém seria mais ou menos vítima do mesmo ato criminoso dependendo do sexo do algoz, mas isso também não é verdade:

“Como é que uma mulher pode coagir um homem a fazer sexo?? Isso é fisiologicamente impossível!”

Já ouviu falar de Viagra? Então. Eis outros exemplos:

“Sim, mas no caso das crianças, elas estão sendo estupradas por homens!”

Não necessariamente:

O objetivo aqui não é mostrar que as mulheres são más. Não são. A grande maioria das mulheres são boas (se é que existe gente que nasce má). Negar isso seria repetir o erro que faz essa campanha do “não à violência contra a mulher”. Que erro é esse? Os dados que ela apresenta estão errados? Não, mas é muito simples transmitir mensagens subliminares escolhendo que dados mostrar e quais omitir. São praticamente jogos de luz e sombra com dados estatísticos. Verdadeiras ilusões de ótica, pois somos naturalmente construídos para inferir o desconhecido a partir do conhecido, inferir o objeto que não se vê a partir da sua sombra.

werewolfComo funciona isso? Primeiro divide-se a população em dois grupos. Por que? Porque ao dizer o que acontece com um, e omitir o que acontece com o outro, transmite-se a mensagem de que o outro não é sujeito ao mesmo acontecido, de forma que ele é de algum jeito privilegiado, ou, pior, culpado. No mínimo, conivente. Por exemplo, violência doméstica. Sempre que se fala de violência doméstica, cita-se somente os dados em que mulheres são vítimas. Por que? Por que assim se reforça na nossa imaginação, no nosso inconsciente coletivo (como chamou Jung), que mulheres são frágeis donzelas e que homens são monstros endiabrados e incontrolavelmente violentos. Verdadeiros lobisomens! Quer coisa mais machista?! Não há no ocidente hoje nada mais machista que o movimento feminista. Mas, por que feministas, que são as próprias ‘Caça-Machistas’, quereriam promover e reproduzir o machismo. Porque isso reforça a tese que vivemos em patriarcado, e que mulheres são uma classe de vítimas, e os homens os dominantes. E se não houver machismo para caçarem, o que será do seu movimento?

Essa tese move montanhas. Literalmente! É por causa dela que se investe sete vezes mais em pesquisa sobre câncer de mama do que em câncer de próstata no mundo, apesar de ambas as doenças matarem em igual número (Warren Farrel, Ph.D., Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de San Diego, EUA). É por causa dela que hoje as universidades na Europa formam 38% mais mulheres que homens (The Economist). As dos EUA formam 50% mais! (Psychology Today). E no Brasil não é diferente (Ministério da Educação). Não é à toa então que a renda real de homens sem faculdade nos EUA caiu 21% em 35 anos (The Economist) e 50% nos últimos 50 anos (Christina Hoff Sommers, Ph.D.). Os governos e a mídia celebram isso como uma conquista das mulheres. É curioso; quando a gangorra estava para o outro lado, chamava-se isso de machismo. Mas… homens não podem ser oprimidos, claro. São o sexo privilegiado. Deve ser por isso que, nos EUA pelo menos, recebem sentenças 63% mais longas por exatamente os mesmos crimes, sem mencionar maiores chances de condenação (Christina Hoff Sommers, Ph.D.).

A realidade é mais complexa que estórinhas de frágeis donzelas desamparadas e peludos homens maus, que estupram menininhas no bosque e batem nas suas esposas e nos seus três filhinhos. O fato é que o mundo é violento, e o Brasil está entre os lugares mais violentos do mundo. Mulheres são vítimas de violência. Homens são vítimas de violência. De fato não são os mesmos tipos e causas de violência, mas não porque homens não estejam sujeitos às mesmas violências que mulheres, e sim porque mulheres não estão sujeitas a todas as mesmas violências que homens.

A proposta então não é diminuir a relevância da vitimização de mulheres. E nem tampouco reivindicar um Dia Internacional do Não à Violência Contra Homem. Somos todos seres humanos, e – mais! – somos mães e filhos, pais e filhas, irmãos e irmãs, avós e avôs. Não faz o menor sentido fazer essa divisão. Foquemos sim nos tipos de violência que mais afetam mulheres – violência doméstica, conjugal e estupro – mas não há a mais pífia razão para que se discrimine homens dessa equação. A não ser, é claro, que queiramos vilanizá-los.


ANDERSON, Peter, Cindy Struckman-Johnso (1999), “Sexually Aggressive Women: Current Perspectives and Controversies”, The Guilford Press, 1999.

DAVIS, Richard, “Domestic Violence-Related Deaths”, Journal of Aggression, Conflict and Peace Research, Vol 2, Issue 2, abril de 2010.

DUBE, S.R., Anda, R.F., Whitfield, C.L., et al. (2005). Long-term consequences of childhood sexual abuse by gender of victim. American Journal of Preventive Medicine, 28, 430–438.

FRENCH, Bryana H., Jasmine D. Tilghman, and Dominique A. Malebranche, “Sexual Coercion Context and Psychosocial Correlates Among Diverse Males”, Psychology of Men & Masculinity, Vol. 16, No. 1, 42–53, 2015.

LARANJEIRA, Ronaldo, Ilana Pinsky, Marcos Zaleski, Raul Caetano, “I Levantamento Nacional sobre Padrões de Consumo de Álcool no Brasil”, Tese de Doutorado, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria Nacional Antidrogas, Governo Federal, 2007.

MINAYO, Maria Cecília de Souza, Simone Gonçalves de Assis, Kathie Njaine, “Amor e violência”, Fundação Oswaldo Cruz, 2011.

STEMPLE, Lara and Ilan H. Meyer. The Sexual Victimization of Men in America: New Data Challenge Old Assumptions. American Journal of Public Health: June 2014, Vol. 104, No. 6, pp. e19-e26.

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