Para onde vamos com o PT?

Para onde vamos com o PT?


Originalmente publicado no Index Econômico.


Orbitas

Não, não vamos para a Venezuela. Não haverá “golpe bolivariano”. Certamente alguém na base do PT, um partido com 2 milhões de filiados, até desejaria, mas não é quem está hoje na sua liderança.

Temos dois cenários: um de vitória e outro de derrota da candidatura Dilma. Curiosamente o destino do partido será praticamente o mesmo. Em ambos os casos o partido voltará a ocupar a posição central na esquerda, em torno do qual gravitavam os partidos da esquerda ideológica, e que ele deixou órfãos.

CENÁRIO 1: DERROTA DA DILMA

Se o PT perder a presidência, Dilma será condenada e expelida do partido. Nunca fez parte dele mesmo. Só entrou, a convite do Lula, para ser sua sucessora. Foi na verdade fundadora do PDT, e era Brizolista de carteirinha até a véspera de entrar no PT. A petista histórica é a Marina, que co-fundou o partido, foi ministra por ele por 2 anos, senadora por 16, e filiada por 27.

O que descrevemos também no artigo anterior é que o PT se formou a partir de um casamento de conveniência entre sindicalistas e socialistas. Foi na eleição de Lula à presidência, que começaram os problemas conjugais. Teoria e prática entraram em conflito. Foi já na campanha de 2002, que começou o êxodo ideológico do partido, com a formação do PSOL, liderado por Heloísa Helena e mais tarde por Luciana Genro. O divórcio foi litigioso, mas em comum interesse. Lula também não estava interessado em ter os “xiitas” do partido, como ele os chama, segurando o seu governo. Lula entrou com o pé, e os idealistas com a bunda.

Ao invés de passar o bastão a expoentes do partido, Lula escolheu ser sucedido por tecnocratas sem expressão: Dilma, Haddad, Padilha… Não são políticos; são gestores públicos. Isso é normal. Maluf fez o mesmo com Pitta. E não só no Brasil: Reagan fez o mesmo com Bush pai. A razão é evidente: se passarem o bastão para expoentes do próprio partido, perdem poder. Seus “cumpanheiros” é que são seus maiores adversários. Entendido isso, começa a ficar mais inteligível o porque do mensalão não ter respingado uma gota sequer no Lula.

De certa forma, a estratégia do Lula é auto-destrutiva. Haddad já disse que não pretende se reeleger (De Frente com Gabi, 17/03/2013). Que ele não está preocupado com isso é evidente por quanta briga tem comprado com a irascíveis classes média e alta paulistanas. Tamanha é a sua determinação que enfrenta a ira do próprio partido pelo mau agouro que atraiu e ajudou a afundar a campanha do Padilha.

Com a derrota deste, e mais as de Haddad e Dilma, finda a liderança de Lula dentro do PT. Muito dessa liderança baseia-se ainda hoje na sua popularidade pessoal, que traz ao partido o apoio do “povo”. Esta também está expirando. E se expira por seu próprio mérito. Se o analista do Itaú que falou em Davos estiver certo, em apenas dois anos, 75% dos brasileiros estarão na classe média. Ao contrário que gritam muitos pelos meios de comunicação, tanto na grande imprensa quanto nas redes sociais, pouco importa a renda dessa classe média. Os médios são os que estão no meio, só isso. Três quartos da população estar na classe média significa simplesmente que a pira social vira uma pêra. Quando isso acontece a sociedade dá uma guinada para a direita. A classe média é conservadora de nascença, em todo o mundo. Ela não quer um Estado que redistribui nada; quer um que proteja a vida e – principalmente! – a propriedade, sua e de sua família. O que acontece hoje no Brasil é o que se passou nos EEUU e GB no final da década de 70, quando elegeram Reagan e Thatcher. Foi Thatcher quem disse: “não existe essa coisa de sociedade; só homens, mulheres e suas famílias”.

O discurso conservador que se ouve e lê hoje no Brasil é uma transliteração do que se dizia nos EEUU e GB há 35 anos atrás. O fenômeno será ainda mais forte no Brasil dado os catastróficos níveis de violência. A segurança pública estará no topo da agenda nas eleições municipais de 2016, e esta é uma questão fundamentalmente de direita. A resposta da esquerda – a de que a criminalidade resulta da desigualdade social – é difícil de vender. É difícil de comprar também, haja visto que ela não explica a baixa criminalidade em países da Ásia tão injustos quanto o Brasil. Os números são difíceis de contestar: apenas 5 a 8% dos homicídios são solucionados. A conclusão é inevitável: falta polícia. Nesse cenário, o PT perderá muitas prefeituras. O Brasil tem 5.567 delas, então serão centenas.

O outro acelerador do conservadorismo no Brasil é o crescimento do movimento evangélico. Este também é consequência do surgimento e expansão da nova classe média. O evangelismo dá respostas muito mais satisfatórias à classe média do que o catolicismo. O evangélico acredita em empenho, disciplina pessoal, diligência. Em suma, acredita em meritocracia. É esta a “ética protestante do capitalismo” de que falava Max Weber em 1905. Isso se reflete então na percepção do que leva o indíviduo ao crime. No catolicismo, busca-se o perdão; no evangelismo, a conversão. Um é uma escolha humana; a outra é divina. Daí um conclui que o criminoso é criminoso porque se perdeu da Luz; e o outro acredita que o é porque não a buscou.

Sem apoio popular e sem apoio interno, e já beirando os 70, Lula perderá a liderança que tem há 35 anos sobre o partido que criou. Se distanciará dele, e se concentrará nos seus projetos para a América Latina e – principalmente! – a África lusófona, sua nova paixão. Com seu instituto, será um Jimmy Carter brasileiro. Com Lula longe, os socialistas, que pedirão a cabeça de Dilma, tomarão a liderança do partido. O PT então retornará à posição que ocupava no espectro político na década de 90. Voltará a ser o partido institucional e guarda-chuva das esquerdas ideológicas, que se sentiram abandonadas nestes últimos 12 anos.

Vagará então um espaço no centro, que será ocupado pelo projeto da Marina, esteja ela a frente dele ou não. Não me refiro ao neoliberalismo que raptou-a inserindo agendas no seu programa com as quais ela nunca teve afinidade. Várias delas ela mal entende. Me refiro à sua visão de ter um governo moderado, fora da polaridade que se criou entre PT e PSDB; uma síntese. Este governo de fato atrairá “os bons” do PT e do PSDB, como ela entoou. Entendamos bem o que ela quis dizer: “os bons” são os moderados de ambos os partidos. É gente como Fernando Henrique no PSDB, e os Suplicy’s no PT. A emigração dos petistas moderados será então causa e consequência da re-esquerdização do partido. O PT possivelmente estará ainda mais à esquerda que foi, uma vez que a ala socialista assumirá o controle do partido. Esse novo controle estará sob a liderança de gente como Tarso Genro e Erundina, que muito provavelmente voltará ao PT se o PSB continuar no caminho de aproximação ao PSDB que Campos iniciou. Ela então será recebida com os louros de quem não abriu mão de sua coerência para se eleger vice-prefeita com o apoio do Maluf, e que de novo não aceitou fazê-lo continuando em um partido aliado ao PSDB.

O PT só não será progressista nas questões de liberdades morais. Para continuar no páreo, o PT terá que se aproximar dos católicos. Na verdade, se re-aproximar, pois os católicos, através das comunidades eclesiais de base, foram fundamentais na formação do PT e também do próprio Lula. Os católicos, por sua vez, estarão muito interessados nisso, pois será a força que terão para se contraporem à ameaça evangélica, que vem absorvendo seus fiéis, crescendo duas vezes mais rápido que a população. Há porém uma condição nessa parceria: legalização de drogas, aborto e casamento gay estão fora. Sem problemas: o PT terceirizará essas questões ao PSOL e demais partidos da extrema esquerda. Esta união transporá o seu eixo do binômio socialismo-sindicalismo da década de 90 para o do binômio caridade-justiça social, em grande afinidade com os novos rumos que está dando o Papa Francisco para a Igreja Católica.

CENÁRIO 2: VITÓRIA DA DILMA

Se Dilma vencer, nada muda muito nas forças motrizes descritas acima; as coisas só se adiarão por mais 4 anos. Estes anos porém serão cruciais. Assim como Haddad, Dilma não tem carreira política e ainda menos compromisso com o PT. Não terá a menor preocupação em guardar capital político. Terminará o mandato com 71 anos, e, se continuar trabalhando, que é bem o seu feitio, fará parte de conselhos de administração e de órgãos internacionais, muito provavelmente relacionados à condição da mulher no mundo. Ela então vai tocar o seu barco; vai fazer tudo que a máquina pública e o partido não lhe deixaram. Ela vai Haddadear.

Que coisas são essas? Dilma é uma gestora, e gestor gosta de eficiência. Ela fará a reforma administrativa que ficou parada desde a eleição do Lula. Na verdade, já começou. Os professores das universidades federais já começaram a sua chiadeira pelo que se fala nos corredores de ONGuizar as universidades, i.e. transferir os seus contratos de trabalho para organizações sociais (o que já foi feito em grande parte dos institutos de pesquisa). O marco regulatório das organizações sociais aprovado em julho ultimo é fundamental para isso. Quando perguntada na coletiva com os blogueiros o que ela achava da “explosão” de terceirização dos serviços de saúde para ONGs, ela disse: “já fui contra, mas não sou mais; a gente aprende com a experiência”. O que se nota então é que Dilma nada tem a ver com a guerrilheira idealista dos seus idos tempos de estudante. Ela é uma anciã sexagenária, com décadas de experiência de uma vida vivida intensamente. Sua agenda não terá nada de revolucionário; ela estará empenhada em fazer aquilo que não rende voto: botar ordem na casa (youtu.be/OorwttD3djw).

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