A menina de madeira

A menina de madeira


Marina

Era uma vez uma menina com boa alma e grandes ideais. Ela era magra como um pau, e sonhava um futuro em que todos os paus da floresta estariam protegidos de uma gente ruim que queria corta-los em mil palitinhos.

A menina Marina cresceu e fez grandes feitos. Fez grandes conquistas defendendo os paus e os povos da floresta. Foi mestre. Foi magistrada. Foi ministra. Mas isso não durou. Aquela gente ruim da floresta estava lá no ministério, falavam em códigos e viviam a lhe azucrinar. Então ela se foi.

Ficou por aí, caminhando pelo mundo, sozinha, dormindo em Redes… Até que um dia conheceu o Guilherme. O Guilo era um cara legal, ‘pra cima’, com novas idéias e cabeça arejada. Era muito falante. Contou-lhe de uma Terra para onde estava indo. Era um lugar maravilhoso, em que todos na floresta viviam felizes pois ninguém precisava tirar-lhe nada para iluminar e se alimentar. Tudo funcionava ao sabor do vento e à energia solar.

Marina ficou extasiada quando o Guilo a convidou. Conheceu essa Terra do Nunca, com fazendas de vento e desertos de espelhos. Conheceu muita gente bacana, criativa e moderna. Aprendeu muito sobre muita coisa nova: ecossistemas de inovação, empreendedorismo social e derivativos de carbono.

Um dia o Guilo a apresentou para um pessoal supimpa. Era um pessoal de bancada, que a convidou para fazer um espetáculo particular. Marina prontamente aceitou. Era uma oportunidade única de mostrar aos povos do campo, da cidade e da floresta, tudo o que assimilou. Mostraria no seu show, onde tudo começou, e como era possível viver sem pelejar.

Ela não faria o show sozinha; atuaria com um galã. O Eduardo era um príncipe de olhos azuis. Discutiram o texto, e repassaram o script inúmeras vezes. Todos da trupe participaram. Se tinha alguma coisa que não estivesse bem entendida, debatiam até aclarar.

Mas a vida dá voltas, e levou o Eduardo consigo. Marina ficou sozinha com o palco para fazer o show funcionar. O texto já estava quase redondo, então ela decidiu não parar. Tinha um ponto ou outro, mas nada que não se pudesse improvisar. De qualquer forma, o Guilo sempre estava lá para lhe assoprar.

Havia um em particular, que era mais enrolado. Meio misterioso. Era sobre um castelo negro no Centro da Terra. Lá morava um povo, de olhos fundos e dedos pequenos, que cuidava das engrenagens que faziam a Terra girar. Seu papel nesta cena seria épico! Heróico! Libertaria esse povo frágil, pálido e delicado de uma Rainha das Copas, que falava alto, falava grosso, e passava o dia a ralhar. Ela também falava em códigos, essa rainha, concatenando números, como se estivesse a planilhar.

A cena era gloriosa! Mas uma dúvida lhe rondava. Uma pergunta, na verdade. Como era o desfecho dessa cena? Príncipe Eduardo não teve tempo de lhe contar. Ela quase desistiu de fazer, mas foi o Guilo quem a fez continuar. Ralhou com ela, como nunca o tinha visto falar. Foi duro e seco: “nessa cena não podes recuar”.

As cortinas se abriram, e o espetáculo começou. Tudo foi muito bem; ela sabia atuar. Se lhe faltava uma passagem ou outra, ela improvisava, ou simplesmente deixava no ar. Mas quando chegou a cena do Castelo Central, faltava-lhe o fim, e ela teve que inventar. Juntava daqui, costurava pra cá, amarrava ali, e nada do texto fechar. Quanto mais tentava contar, mais passava a se enrolar. Quando em desespero, sem para onde correr no palco, caía em prantos. A platéia adorava vê-la dramatizar.

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