Orgulho Gay não reduz a homofobia

Orgulho Gay não reduz a homofobia


Se eu sou eu porque você é você,
E você é você porque eu sou eu,
Eu não sou eu e você não é você.
Mas se eu sou eu porque eu sou eu,
E você é você porque você é você,
Eu sou eu e você é você,
E nós podemos conversar.
– Rabino Menachem Mendel de Klotzk, citado por William Berkowitz e William Leonard Laurence em Let Us Reason Together (1970)

O que é homossexualidade? Não é uma questão rasteira. Para responder direito é preciso entender profundamente o que é ‘sexo’ e o que é ‘atração sexual’. Um entendimento completo sobre o que é sexo não pode parar na cópula, na genitália. Afinal, a gente sabe que o que sentimos em relação a, ou no, sexo é muito mais multifacetado que mero tato e fricção. O que está em jogo aí é uma bipolaridade e a interação entre os polos. Estamos falando aqui de polos electromagnéticos mesmo. Não só o sistema nervoso é um sistema elétrico, como as sensações na cópula são tão fortes, que são praticamente um eletrochoque. E há pesquisas que indicam que há realmente uma corrente elétroquímica que se estabelece no orgasmo de um parceiro ao outro.

O que é sexo então?

Ser sexuado é estar seccionado, separado, diferenciado. E ao separar-se, cria-se polos que se atraem, que competem e se complementam. São dualidades. Assim é, não só entre masculino e feminino, mas também entre positivo e negativo, mitose e meiose, próton e eléctron, onda e partícula, até mesmo entre esquerda e direita na política. A própria Existência é essa sexuação; essa organização. Por isso a Bíblia começa com “no início Deus criou o Céu e a Terra”. Hesíodo, compilando os mitos gregos na Teogonia, começa um passo anterior, dizendo que “no início era o caos”, que do Nada surgiu a Escuridão, que a ordem emerge quando nasce o Amor, do qual emana a Luz seguida pela Terra. Ou seja, antes de haver Escuridão e Amor, era o Nada. E é a esse Nada que os cabalistas se referem quando falam de Deus; por isso o chamam de Ein Sof, o Nada Infinito.

No começo dos tempos, estava Te Kore, o nada – Io.
Então Rangi, o céu, esteve com Papa tu a nuku, a Terra,
e foi juntado a ela, e se fez o solo.
Mas os seus inúmeros filhos viviam na escuridão,
porque os seus pais não estavam ainda separados,
Tane mahuta, deus e pai das florestas
e de todos seus habitantes respondeu:
“Que o Céu se torne um estranho,
mas que a Terra continue junto a nós como uma mãe que nos amamenta.”
Por muito tempo, o Kauri os separou.
Com fortes murmúrios e gritos de dor, os pais berraram:
“Por que fizeste este crime, por que mataste o amor de teus pais?”
– Mito da Criação Maori, em Maori Myths and Tribal Legends, Antony Alpers, 1964.

Somos todos homossexuais

É essa tensão cósmica, fundamentalmente, que sentimos na atração sexual. A nossa sexualidade é mera projeção de uma ordem muito maior. E ela também não se restringe à anatomia. Alguns entre nós somos introvertidos, outros extrovertidos; uns mais abstratos, outros mais concretos; uns mais razão, outros mais coração; uns mais opção, outros mais determinação. E, da mesma forma que positivo e negativo se atraem, introvertidos e extrovertidos se atraem, racionais e sentimentais se atraem. Nos atraímos pelo outro por simples fato de ser outro, por ser polaridade oposta. Por isso mesmo em casais homossexuais vemos que um é mais extrovertido e o outro mais introvertido, uma mais organizada e a outra mais improvisada. As relações são fundamentalmente as mesmas, de forma que chamá-las de homossexuais é equivocado; são heterossexuais mesmo. A atração não é pela genitália; é pelo outro.

Entendido dessa forma, relação homossexual é outra coisa; é a relação entre polos iguais, ou entre femininos, ou entre masculinos. A relação homossexual masculina é competitiva. São alces batendo seus chifres, cangurus se socando, homens se agarrando num octágono de UFC. Não à toa, os espartanos transferiam para a cama essa energia competitiva. A relação homossexual feminina é colaborativa. É cozinhar junto, cantar junto; é produzir harmonia. Nesse sentido, todos participamos de relações homossexuais e heterossexuais, com diversas pessoas, às vezes com as mesmas pessoas, e até com nós mesmos.

Gays não são homossexuais

Logo ninguém, ou nada, é homossexual. O que é homo ou heterosexual é a relação. ‘Homo’, em grego, significa ‘mesmo’, e hetero significa ‘diferente’. Uma coisa ou alguém não pode ser diferente de si mesmo. Logo, dizer que é igual a si mesmo é uma platitude que nada comunica. Portanto o termo se refere a um conjunto de pelo menos dois elementos. Dado que a sexuação é uma separação, e uma separação cria duas partes, homossexualidade e heterossexualidade só podem se referir a relações, não a indivíduos.

Poderia-se dizer que os gays são aqueles que só se atraem por pessoas do mesmo sexo, do mesmo polo sexual. Mas se a atração sexual, tanto a humana qto a universal, é multifacetada, então não é possível se sentir atraído só por pessoas do mesmo sexo. E, mais, quando nos sentimos atraídos a relacionarmos-nos homossexualmente, seja competitiva ou colaborativamente, o que nos atrai é despertar, através da interação com o outro a polaridade que em nós estará engajada. O que está então por trás dessa atração pelo outro é uma outra, interna, entre os nossos próprios lados masculino e feminino, que se copulam através da interação com o outro.

O Orgulho Gay não reduz a homofobia

Segue então que gays não são homossexuais. Também não são heterossexuais. E nem mais ninguém tampouco. O que são então? O que faz do gay, gay, e do não-gay, não-gay? A binariedade e a heteronormatividade. A heteronormatividade estabelece que homens e mulheres devem se comportar dessa ou daquela maneira. Estabelece que homens devem ser extrovertidos, bravos, corajosos, aventureiros, determinados, racionais. E que mulheres devem ser afáveis, receptivas, introvertidas. Estas características são de fato masculinas e femininas, mas no sentido das bipolaridades sexuais. O que a heteronormatividade faz é transformar estes arquétipos em estereótipos. E não o faz por maldade. É uma simplificação, um atalho. Simplificações são necessárias porque a nossa capacidade de compreensão das nossas experiências são finitas; toda representação da realidade é necessariamente uma simplificação, senão teria que ser tão complexa quanto a própria realidade. E mais simplificada ainda tem que ser a nossa comunicação, pois a produção, transmissão e decodificação de signos e mensagens nos toma tempo e energia.

Por isso homens e mulheres se vestem diferentemente: umas se maquiam, outros não; umas usam salto alto, outros não; umas usam saia, outros não. Nas últimas décadas viemos quebrando essas barreiras e esses códigos, mas muitas vezes só os substituímos por outros. Esse é o caso da identidade de gênero. Os gays também utilizam uma série de códigos que sinalizam uns aos outros e também à sociedade que são gays. E para fazer isso usam os mesmos códigos heteronormais que repudiam. Libertam-se do estereótipo que lhe impõe a heteronormatividade, somente para criar novos estereótipos em sua imagem e semelhança. São nesse sentido mera antítese, sombra, da heteronormatividade.

Segue disso que a transcendência da discriminação e do preconceito na sociedade não passa pelo Orgulho Gay, pela distinção das identidades de gênero, em contraposição umas às outras, e sim pela sua dissolução.

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