Mais-Valia Reloaded: r > g

Mais-Valia Reloaded: r > g


A mais-valia pode ser entendida hoje como o preço da liquidez. Os preços não refletem só o uso do bem como meio de produção como também como meio de troca. Senão ninguém carregaria dinheiro vivo na carteira, ou deixaria saldo parado em conta corrente sem remuneração. Quem tem mais acesso a liquidez, i.e. a crédito, pode financiar prejuízos por mais tempo, por isso pode esperar até que o preço de um investimento esteja alto o suficiente para vendê-lo e compensar o custo de transação. Quem não tem esse acesso, não pode investir em ativos mais ilíquidos, que portanto dão maior retorno. Assim a liquidez, i.e. o capital, se acumula nas mãos de quem já o tem. Mas isso até o matuto do mato já sabia: dinheiro atrai dinheiro.

Não é preciso de teoria do valor-trabalho para demonstrar a existência de mais-valia; basta considerar que liquidez é um recurso escasso, e que, como todo recurso escasso, tem preço. Esse preço, que o capitalista cobra para oferecer liquidez, é a mais-valia. Está presente na remuneração do trabalho porque emprego é uma relação de crédito: trabalha-se hoje para receber amanhã. Por isso nem todo mundo pode ser empregador, e quem é pode cobrar pelo oligopólio que dispõe sobre a liquidez.

Entendido isso, a teoria do valor-trabalho também fica fácil de compreender. Não significa que o preço das coisas deve ser igual ao esforço despendido na sua produção. Nem mesmo proporcional. Adam Smith, David Ricardo e Marx não eram tão tapados. Eles bem sabiam que há diferenças de habilidade e produtividade entre as pessoas, e em diferentes nichos, sendo eles mesmo casos extremos disso. A unidade de trabalho é uma unidade padrão; a média, por exemplo. Assim tem gente que trabalha por dois, e gente que trabalha por meio. E quem trabalha por dois, que produz duas vezes mais rápido, deve ser remunerado em dobro, claro. Os teoristas do valor-trabalho também sabiam que tem coisa que vale mais e coisa que vale menos. Cortar o meu cabelo, por exemplo, vale menos do que curar um câncer. É evidente que não se está sugerindo que o médico receba o mesmo que o barbeiro só porque despendeu o mesmo número de horas (mesmo contabilizando as horas de estudo prévio). Então não só a unidade de trabalho é uma unidade padrão, como também a unidade de valor é uma unidade padrão. E assim, se cada um se dedicar a produzir aquilo para que é mais apto – “de cada um conforme a sua capacidade” – o preço de equilíbrio, por definição, equivale ao número de unidades padrão de valor-trabalho. É praticamente uma identidade contábil.

Então para quê tudo isso? Para que Marx possa dar conta dos desvios disso. E, de fato, o raciocínio só vale para um mercado perfeito, i.e. sem custos de transação e limites de financiamento. Essa é a crença básica da Escola Austríaca. Aparentemente, na Áustria todas as polias são perfeitas e os pêndulos oscilam para sempre num mundo sem atrito. Dado que fricção não é ficção, a liquidez se torna um recurso escasso, que por isso tem preço, e que se retro-alimenta: quem tem mais liquidez consegue fazer investimentos mais rentáveis, e acaba com ainda mais liquidez. Por isso r > g.

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