Desconstruindo o “libertarianismo de esquerda”

Desconstruindo o “libertarianismo de esquerda”


WolfEsta é uma réplica ao texto de Anna Morgenstern aqui.

Anna procura demonstrar que o anarco-capitalismo ou é impossível ou é um mal uso do termo “capitalismo”. Aqui eu desconstruo o seu argumento, mas isso não significa fundamentar o anarco-capitalismo tampouco. Para fazer o seu argumento, ela sustenta três teses:

 

 

  1. Sob o anarquismo, acumulação de massa e concentração de capital é impossível.
  2. Sem concentração de capital, a escravidão assalariada é impossível.
  3. Sem a escravidão assalariada, não haverá muitas pessoas que identificariam como “capitalismo”.

Então vamos lá.

2. Sem concentração de capital, a escravidão assalariada é impossível.

Concordo. Esta é uma tese já defendida pelos liberais no séc XVIII. Concentração de capital é concentração de poder econômico. Sem concentração de poder não há dominação. Esta é na verdade uma tautologia, notada por Alexis de Tocqueville, pois poder significa capacidade de dominação. E se a concentração for só de poder político, não econômico? Isso não existe. Poder econômico compra poder político, e poder político gera poder econômico. Os dois são diferentes lados da mesma moeda.

3. Sem a escravidão assalariada, não haverá muitas pessoas que identificariam como “capitalismo”.”

Questão de definição. E aqui ele usa a definição vulgar, não a acadêmica. A literatura de História Econômica coloca como um dos primeiros eventos do capitalismo europeu o IPO da Cia das Índia Ocidentais na Bolsa de Londres. Evidentemente já havia escravidão assalariada muito antes disso. O que caracteriza o capitalismo é a presença de um mercado de capitais. É verdade que um mercado de capitais desregulado é um potente concentrador de riqueza, mas isso define a falha do capitalismo; a sua contradição, nos termos de Marx. E como é uma falha auto-destrutiva, como Marx também apontou, ela não pode defini-lo.

“Sob um estado, propriedade estatal é considerado “público”, mas como um anarquista, você sabe que isso é uma farsa. É uma propriedade privada pertencente a um grupo que se chama estado. Se algo está pertencido a 10 pessoas ou 10 milhões não o torna mais ou menos “privado”.”

Questão de definição de novo. Público significa, desde o Império Romano, pertencente à sociedade. Em uma Rés-Pública, o Estado é da sociedade, e portanto o que é do Estado é da sociedade. O Estado Republicano é uma pessoa jurídica, constituída por um contrato social, como é qualquer pessoa jurídica (o CNPJ do Estado brasileiro é 02.961.362/0001-74, por exemplo). Não à toa, esse contrato se chama Constituição. Então, sim, a propriedade pública é privativa da sociedade; chamá-la de “privada” é perder a distinção entre o que é da sociedade e o que não é.

“Além do mais, sem um sistema financeiro e bancário protegido pelo estado, acumular lucros sem fim é quase impossível.”

Como dito acima, um sistema financeiro desregulado de fato potencializa a concentração, mas isso não significa que a sua ausência a impossibilita. Evidentemente já havia concentração de riqueza no período feudal, quando não havia Estado senão o próprio feudo, que era obviamente totalmente capturado pelo senhor feudal.

“[O] capitalismo requer um governo para proteger a propriedade privada.”

Sem dúvida. O argumento aqui é de que sem propriedade privada, não há necessidade de Estado. É o que Marx disse. Sem Estado não haveria mercado de capitais, então não haveria concentração de riqueza. A segunda parte já vimos que é falsa, e a primeira ignora que o que é realmente limitado na sociedade não é a riqueza, e sim a liberdade: a minha termina onde começa a tua. Como não sabemos onde está esse limiar – posso vilipendiar publicamente a tua religião por exemplo? – temos que combinar. Essa combinação é a lei, e o conjunto das leis compõe um contrato chamado Estado.

3. Sob o anarquismo, acumulação de massa e concentração de capital é impossível.”

Esta é a tese central dos libertarianismos, tanto o “de esquerda” quanto o “de direita”. São portanto um só. E é isso justamente o que a autora não demonstra. O máximo que ela faz é dizer que um mercado de capitais regulado por um Estado capturado é concentrador de riqueza. Mas um Estado capturado sempre é concentrador de riqueza, mesmo fora do capitalismo, quando não há um mercado de capitais.

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